quarta-feira, 29 de outubro de 2008

TRANSPORTE GRATUITO PARA IDOSOS. CAIU NA ÚLTIMA PROVA DA PGE/RJ. LEIA A ÍNTEGRA.

Transporte Gratuito para Idosos e Garantia Constitucional (Transcrições)(v. Informativo 480)ADI 3768/DF*
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIAEMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 39 DA LEI N. 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003 (ESTATUTO DO IDOSO), QUE ASSEGURA GRATUIDADE DOS TRANSPORTES PÚBLICOS URBANOS E SEMI-URBANOS AOS QUE TÊM MAIS DE 65 (SESSENTA E CINCO) ANOS. DIREITO CONSTITUCIONAL. NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA PLENA E APLICABILIDADE IMEDIATO. NORMA LEGAL QUE REPETE A NORMA CONSTITUCIONAL GARANTIDORA DO DIREITO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.1. O art. 39 da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) apenas repete o que dispõe o § 2º do art. 230 da Constituição do Brasil. A norma constitucional é de eficácia plena e aplicabilidade imediata, pelo que não há eiva de invalidade jurídica na norma legal que repete os seus termos e determina que se concretize o quanto constitucionalmente disposto.2. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.VOTO:Da ação1. Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada, em 1º.8.2006, pela Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano - NTU, na qual se questiona pretensa inconstitucionalidade do art. 39, caput, da Lei n. 10.741, de 1º.10.2003 (“Estatuto do Idoso”), em face dos arts. 22, inc. XXIII, 37, inc. XXI, 175, caput, 194, 195, § 5º, 203, inc. I, e 230, § 2º, da Constituição da República.2. A pretensão da Autora de ver afastada a aplicação do art. 39 da Lei n. 10.741/2003 em relação às empresas que exploram o serviço de transporte urbano sob o regime de concessão ou permissão não pode prosperar pelos fundamentos que se passa a expor.O Direito à Qualidade de Vida Digna dos Idosos e os Deveres Constitucional da Sociedade (art. 230, § 2º da Constituição)2. O § 2º do art. 230 da Constituição da República é taxativo ao estatuir que:“Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.(...)§ 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.”3. Ao aprovar a Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), o legislador ordinário nada mais fez que dotar de efetividade um dos direitos sociais do idoso (art. 230 e seu § 2º da Constituição da República).O art. 39 da Lei n. 10.741/2003 (“Estatuto do Idoso”) dispõe:“Art. 39. Aos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos fica assegurada a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos, exceto nos serviços seletivos e especiais, quando prestados paralelamente aos serviços regulares.”4. Em essência, tem-se que o direito ao transporte gratuito dos que têm mais de 65 anos não é um fim em si mesmo. A facilidade de deslocamento físico do idoso pelo uso de transporte coletivo haverá de ser assegurado, como afirmado constitucionalmente, como garantia da qualidade digna de vida para aquele que não pode pagar ou já colaborou com a sociedade em períodos pretéritos, de modo a que lhe assiste, nesta fase da vida, direito a ser assumido pela sociedade quanto aos ônus decorrentes daquele uso.Na Nota Técnica do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (fls. 144-145), foram apresentados dados da Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social indicativos do contingente de idosos de baixa renda no Brasil, vulneráveis econômica e socialmente, e que se utiliza precipuamente do transporte coletivo gratuito.Só em “(...) julho de 2006, 1.138.004 (hum milhão, cento e trinta e oito mil e quatro) idosos perceberam o benefício de prestação continuada (BPC), benefício não contributivo da assistência social destinado a idosos sem cobertura previdenciária, cuja renda per capita familiar é de 1/4 do salário mínimo.” (fl. 144)Os preços das tarifas de transporte podem constituir dificuldades a mais, quando não impossibilidades, enfrentadas pelos idosos e que os levam a manter-se acantonados em suas casas, impedidos de se deslocar e fadados a esperar visitas que não vêm, médicos que não chegam, enfim, vidas que se acomodam pela falta de condições para que a pessoa circule. No interior de Minas se diz que “velho quando não anda, desanda”. É inimaginável que estejamos construindo uma sociedade em que uma geração, que ainda tem pernas a andar e estradas a palmilhar, permaneça aquietado por carência de condições para circular. Nem é isso que dispõe a Constituição brasileira.5. Insiste a Autora que esse direito do idoso não seria de primeira, mas de segunda ou até mesmo de terceira dimensão. Essa discussão não tem cabimento aqui para o desate da questão posta a exame. Primeiro, porque independentemente da classificação, como consignado na Constituição, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a participação do idoso na comunidade. Segundo, porque essa participação demanda, salvo em casos específicos, a possibilidade de os idosos se locomoverem. Terceiro, porque a dignidade e o bem-estar dos idosos estão fortemente relacionados com a sua integração na comunidade para que se possa dar a sua participação na vida da sociedade. Não é aboletado e aquietado em razão de sua carência para pagar transportes por meio dos quais possam se locomover que se estará garantindo ao idoso o direito que a Constituição lhe assegura.6. O transporte gratuito, especialmente para os idosos que sobrevivem de aposentadorias insuficientes para o suprimento de suas necessidades básicas, apresenta-se como verdadeiro suporte para que possam exercer, com menores dificuldades, seu direito de ir e vir.7. Diferentemente do alegado pela Autora, o direito dos idosos ao transporte gratuito, previsto na norma do § 2º do art. 230 da Constituição da República, é de eficácia plena e tem aplicabilidade imediata. Assim, desde a promulgação da Constituição da República, esse direito compõe o sistema normativo na condição de direito exigível pelos idosos, sem a necessidade de criação de qualquer outra norma que trate da matéria.Sobre a questão leciona José Afonso da Silva:“O gozo desses direitos aqui reconhecidos, já decorre da própria Constituição, mas o Estatuto os especifica, porque há peculiaridades que não seriam reconhecidos sem essa especificação ... Aos maiores de sessenta e cinco anos é assegurada a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos (é justo lembrar que esse direito do idoso ao transporte nasceu na Prefeitura de São Paulo por obra do então Prefeito Mário Covas...).” (SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. 2ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 863)8. A gratuidade do transporte coletivo representa uma condição mínima de mobilidade, a favorecer a participação dos idosos na comunidade, assim como viabiliza a concretização de sua dignidade e de seu bem-estar, não se compadece com condicionamento posto pelo princípio da reserva do possível.Aquele princípio haverá de se compatibilizar com a garantia do mínimo existencial, sobre o qual disse, em outra ocasião, ser “o conjunto das condições primárias sócio-políticas, materiais e psicológicas sem as quais não se dotam de conteúdo próprio os direitos assegurados constitucionalmente, em especial aqueles que se referem aos fundamentais individuais e sociais ... que garantem que o princípio da dignidade humana dota-se de conteúdo determinável (conquanto não determinado abstratamente na norma constitucional que o expressa), de vinculabilidade em relação aos poderes públicos, que não podem atuar no sentido de lhe negar a existência ou de não lhe assegurar a efetivação, de densidade que lhe concede conteúdo específico sem o qual não se pode afastar o Estado.”Também afirmei antes que “O verbo constitucional, no qual (os direitos sociais) se põem assegurados normativamente, fez-se fruto de lutas que devoraram homens e desertaram comunidades inteiras. A verba constitucionalmente assegurada, para que não se cuidassem de verbo inativo aqueles direitos conquistados, ainda está em processo de aquisição, mas não pode ser negada.”9. No caso em foco, assegurou-se, constitucionalmente, aos idosos o direito ao transporte coletivo gratuito. A lei n. 10.741/2003 garantiu a forma de se dar cumprimento àquele comando constitucional.10. A alegação de inconstitucionalidade do art. 39 da Lei n. 10.741/03, com o que não se poderia exigir o direito constitucional do idoso sem se dar forma à assunção dos deveres financeiros pelo poder público concedente (que, no caso dos transportes coletivos municipais é o ente local) não se resolve pela declaração de inconstitucionalidade da norma contida naquele diploma legal.Não se comprova a alegada nódoa de inconstitucionalidade a macular aquela norma.Põe-se ela em perfeita conformidade com o quanto estabelecido constitucionalmente. Tem razão, nesse passo, o Advogado-Geral da União ao afirmar que a pretensão da Autora acaba não passa, no fundo, de ser senão a de declarar inconstitucional o § 2º do art. 230 da própria Constituição, o que não é possível.Como objeto de contratos de concessão, conforme já assentado na doutrina, sabe-se que a prestação de serviço público de transporte atribuída pelo Estado ao particular, que deve prestá-lo em nome próprio e por sua conta e risco e, para tanto, deve cumprir as condições fixadas pelo Poder Público, há de obedecer ao princípio da juridicidade. Ora, o sistema jurídico fundamental vigente estampa o direito do idoso ao transporte coletivo gratuito.11. O investimento e os gastos oriundos da prestação dos serviços públicos de transporte coletivo, delegado pelo ente público ao particular, haverão de ser calculados e haverão de ser definidos na relação delegante-delegado, sem que tanto seja traspassado ao particular, menos ainda àquele que, por força da norma constitucional (art. 230, § 2o) e infraconstitucional (art. 39 da Lei n. 10.741/2003), haverá de fruir gratuitamente do serviço.12. Imprópria juridicamente é a assertiva de que não se poderia exercer aquele direito constitucional do idoso antes que se fixasse, contratualmente (entre o ente delegante e a empresa delegada), a forma de assunção dos ônus financeiros pelo ente público.Ao reconhecimento de que o Estado pode alterar, unilateralmente, as condições fixadas para os contratos de concessão e permissão, tem-se, de um lado, que o particular tem a garantia da preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato e, de outro, que as normas constitucionais devem ser cumpridas.Compete ao contratado particular comprovar perante o ente contratante a ruptura do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, em quanto, como e porque para que seja refeito se for o caso e segundo dados específicos.A constitucionalidade da garantia não ficará comprometida, em qualquer caso, pois o idoso tem, estampado na Constituição, o direito ao transporte coletivo urbano gratuito. Quem assume o ônus financeiro não é questão que se resolve pela inconstitucionalidade da norma que repete o quanto constitucionalmente garantido.Isso bastaria para aniquilar o argumento da Autora, segundo o qual a exigência de cumprimento do direito dos idosos à gratuidade dos transportes estaria a romper com o equilíbrio econômico-financeiro.A argumentação da Autora, nesse ponto, há de ser tido como perverso. Os idosos não são em número suficiente para aniquilar os ganhos dos empresários.De outra parte, não há direito adquirido a se contrapor a direitos previstos constitucionalmente, como os que se referem aos idosos. Logo, mesmo nos contratos de concessão ou permissão assinados antes da promulgação da Constituição, em respeito à garantia de equilíbrio, o máximo que poderiam requerer os delegados dos serviços de transporte municipal e intermunicipal seria da alteração dos contratos para cobrir-se, financeiramente, com os ônus comprovados em planilha sobre o uso dos transportes delegados pelos idosos. Teriam, para tanto, de provar quantos e em que condições aqueles serviços onerariam os seus contratos.De novo, a espécie não estaria a contemplar inconstitucionalidade do art. 39 da Lei n. 10.741/2003, senão que a forma de implementar o quanto nela posto.Ademais, após a promulgação da Constituição da República, todos os concessionários e permissionários estão submetidos às suas normas, não podendo, desde então, alegar que não sabiam do direito dos idosos ao transporte coletivo gratuito.Mais ainda, os custos advindos da gratuidade fazem parte de estudos de viabilidade do negócio assumido pelo particular e estão incluídos entre os custos do serviço, os quais são tidos, como ponderado pelo Advogado-Geral da União, “como fator importante na fixação da política tarifária, os aspectos econômicos atinentes à efetivação de tal direito.” (fl. 158)Conforme lembrado no Parecer do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, “qualquer cidadão sabe que, independentemente da quantidade de pessoas que utilizam o transporte público, ele deverá ser prestado em horários pré-determinados pela Administração. O custo desta operacionalização é estável. O que se quer demonstrar é que a empresa não tem um custo maior por estar transportando pessoas idosas. O transporte encontra-se ali, disponível, com o custo já estabelecido.”Logo, a compensação pela gratuidade de transporte coletivo urbano aos idosos, pleiteada pela Autora, que não encontra previsão na Constituição da República, só é admitida quando ficar provado que houve “(...) prejuízo real para as empresas de transporte público em regime de concessão ou permissão, um desequilíbrio extraordinário e inesperado.” (fl. 142)O que patentemente não ocorreu, haja vista ser praxe, entre concessionários e permissionários, a previsão dos custos e dos lucros, não se podendo dizer da existência de qualquer desequilíbrio econômico-financeiro causado pela norma do art. 39 da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que, repete-se, não criou exigência nova alguma no ordenamento jurídico brasileiro.Como esclarecido no Parecer do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, esse “mecanismo compensatório, em tese, somente pode ser observado em casos específicos, com a comprovação de praxe ante a Administração ou o Poder Judiciário. Ora, o art. 65, “d” da Lei 8.666/93 que regula as licitações e contratos com a Administração Pública, prevê a possibilidade de alteração do contrato quando “para restabelecer a relação que as parte pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobreviverem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. (Redação dada pela Lei n° 8.883, de 1994). “13. Deve ser, ao final, enfatizado que o direito dos idosos à gratuidade de transporte coletivo urbano não está incluído no rol de benefícios da seguridade social.A despeito de estarem dispostas no Título VIII da Constituição República, que trata da Ordem Social, as disposições relativas à seguridade social (saúde, previdência e assistência social), previstas no Capítulo II, não se confundem com aquelas afeitas aos idosos, situadas no Capítulo VI, sendo correto, por isso mesmo, afirmar que as normas constitucionais atinentes à seguridade social (arts. 194 a 204) não são aplicáveis à específica disciplina do direito dos idosos (art. 230).De se concluir que, além de as concessionárias e permissionárias terem a obrigação de cumprir as cláusulas estipuladas para a prestação dos serviços de transporte, devem respeitar a Constituição da República. Como membros da sociedade, são elas titulares do dever de contribuir, efetiva e diretamente, para que as pessoas idosas em específico, tenham assegurado o seu direito à gratuidade dos transportes coletivos urbanos por força do princípio da unidade do sistema jurídico republicano.Pelo exposto, julgo improcedente a presente ação direta de inconstitucionalidade.É como voto.

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