quarta-feira, 12 de novembro de 2008

ESSA NÃO PODERIA DEIXAR DE POSTAR

Sentença proferida em processo que tramitou perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a seguir:
Circunscrição : 1 - BRASILIAProcesso : 2007.01.1.039400-2Vara : 601 -PRIMEIRA VARA DE ENTORP. E CONTRAV. PENAISAÇÃO PENAL PÚBLICAPROCESSO N.º:39400-2/07AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICOSENTENÇAEsse é o relato do insólitoepisódio de RODRIGO RAMOS DE LIMA acusado de tentar dar uma bicotinha norosto da suposta vítima e, desse modo, "atentar contra o pudor" dadistinta.Conta a pitoresca acusação que no longínquo 20 de fevereiro de2006, no interior de um veículo do transporte alternativo a moçoila foisurpreendida pelo inopinado beijoqueiro que, de supetão, não tendo resistidoaos encantos da donzela, direcionou-lhe a beiçola, tendo como objetivo certoa face alva da passageira que se encontrava a seu lado.A "vítima", por sinaluma moçona forte, essa teria reagido e rechaçado a inesperada demonstraçãode intimidade não existente. Posteriormente,> quando ser inquirida em Juízo, terminaria por afirmar que deu um tapa norosto do sujeito e depois o esmurrou por diversas vezes. Além disso,completaria, quando estava na delegacia teria cravado as unhas no pescoço dorapaz e sacudido para impedir-lhe a fuga.Enquanto a suposta vítima, umamulher forte e robusta, relatava para os presentes à audiência o ocorrido egesticulava, mostrando como havia esgoelado o beijocador, todos os presentesà sala acompanharam entre estupefatos e incrédulos o minucioso relatoilustrado com um toque de sadismo. Ouvindo tais pormenores todos se puserama pensar em quem teria sido a verdadeira vítima no episódio.Uma testemunhavisual do ocorrido completaria o excêntrico relato das proezas de brio efecunda valentia da moça que não quis o beijo: "- D.... reagiu e 'deu muitaporrada no sujeito'".Ao final dos depoimentos este magistrado não resistiue, informalmente, perguntou para a "vítima" se o> sujeito era bonito: " - Dr. se ele fosse um Reinaldo Gianecchini a reaçãoteria sido outra...", ouvi.Durante a tramitação do processo, percebendo oquão esdrúxula era a peça acusatória, um representante ministerial chegou apostular pela aplicação ao caso do princípio da insignificância (fls.58/60). A magistrada que me precedeu, contudo, discordou e remeteu os autosao Procurador de Justiça que, por sua vez, designou uma comissão composta detrês "expertos". Após rebuscada pesquisa, calcada em substanciososargumentos sobre o que representava o beijo tentado do engenhoso personagem,a tríade lançou o circunstanciado veredicto: " - não é possível oarquivamento com base no princípio da insignificância", " - a aplicação demedida de segurança poderá trazer auxílio à família..."Assim, em atendimentoà manifestação ministerial referida, o feito teve prosseguimento. Até que emalegações finais o promotor de> justiça derradeiramente encarregado do caso pugnasse pela absolvição doacusado. Claro que é quase impossível aferir com exatidão as dezenas deprofissionais chamados a intervir no presente processo durante a tramitaçãoprocessual: policiais civis e militares e outros servidores públicos ligadosà Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, ao Ministério PúblicoDistrito Federal e ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal, tais comoanalistas e técnicos judiciários, escrivães, oficiais de justiça, diretorese substitutos de cartórios, oficiais de gabinete, executantes, motoristas,seguranças, secretários, garçons, zeladores e faxineiros, eletricistas,digitadores e técnicos em informática, vigilantes e tantos outros quepoderiam ampliar imensamente essa lista.Alguns, talvez os principais dessesatores processuais, contudo, ao praticarem atos processuais, deixaram suasassinaturas nos autos do processo, tornando> mais fácil a quantificação e enumeração desses sujeitos. Passo aenumerá-los:" 10 (dez) juízes de direito: fls. 2, 13, 40, 49, 62, 78, 122,127 e 121, exemplificativamente, além de fl. 35 dos autos em apenso;" 8(oito) promotores de justiça: fls. 2, 24, 28, 41v, 60, 64, 82 e 113v,exemplificativamente,; " 5(cinco) procuradores de justiça: fls. 66, 76 e80;" 9 (nove) defensores: fls. 20, 39, 48, 96, 99, 130 e 150,exemplificativamente, e ainda fl. 14 dos autos em apenso;" 8 (oito) médicos:fl. 18 e também fls. 24, 27, 28, 30 e 31, dos autos em apenso;" 3(três)delegados de polícia: fls. 6, 45 e 124.Esses sujeitos processuaisanteriormente discriminados perfazem o total de 43 profissionais altamenteespecializados que ao longo da tramitação do processo, ou seja, de20/02/2006 até a presente data (interregno de quase três anos, ou, maisprecisamente, dois anos, oito meses e treze dias) receberam dos cofres> públicos (considerando-se os respectivos décimos terceiros salários)proventos que podem ser estimados pela média em R$ 39.674.666,67 (trinta enove milhões, seiscentos e setenta e quatro mil, seiscentos e sessenta eseis centavos).Evidente que tais agentes públicos atuaram concomitantementeem diversos outros casos. No entanto, tal estimativa serve para evidenciar otamanho do disparate em direcionar essa estrutura leviatânica para apurar aprática de uma bicota, aliás,uma tentativa de bicota, levada a efeito peloinfeliz acusado.Evidentemente, estamos desconsiderando outros custos, comoaqueles relacionados a gastos de papel, cartuchos para impressão, cartolina,cordonê e outros materiais e suprimentos de escritório, energia elétrica,comunicação telefônica e via correios, combustível, maquinário diverso etcetera.Por certo, não foi mensurado o inevitável custo do impacto ambientalgerado desde antes da> instauração do inquérito até a instauração e encerramento da relaçãojurídica processual.Ou seja, estimamos apenas uma parte do custo socialenvolvido com a tramitação do processo do aspirante a beijoqueiro.Toda essamovimentação magnânima teria sido feita em nome da suposta e pomposa"importunação ofensiva ao pudor"…Ao final, seria de se perguntar: vale apena? É esse o mister do Direito Processual Penal do século XXI? Ou deveriaesse ramo do direito se voltar a apurar aquelas condutas que atinjam bensjurídicos que realmente mereçam a tutela penal? Outras perguntas não queremcalar: como não ver insignificância, sob a ótica penal, na conduta praticadapelo acusado? O que fazer com o princípio da proporcionalidade, querecomenda correspondência entre as sanções penais e a gravidade das condutaspraticadas pelos infratores penais? Como ignorar, por outro lado, que oacusado foi solenemente espancado pela> "vítima" após o triste episódio do beijo frustrado e continuou a sê-loaté a chegada à delegacia de polícia?É evidente que o promotor de justiçaque oficiou pelo reconhecimento da insignificância agiu imbuído de bom sensoe soube distinguir o fútil e o irrelevante daquilo que é sério, grave e derelevo.Sensibilidade e discernimento também demonstrou o outro representantedo Ministério Público que, em alegações finais, postulou pela absolvição doacusado.Tais posturas ajudam a depurar e orientar a persecução penal,reservando-a a casos realmente relevantes. Felicitem-se aqueles promotoresque voltam o principal de suas atenções e energias para punir autores decrimes de lesa-pátria, que causam prejuízos milionários ao erário, comofraude de licitações públicas, corrupção e sonegação. Encômios àqueles quequestionam, por exemplo, a atitude do Chefe do Executivo local e procuramdemonstrar a violação> da Constituição e das leis penais praticadas por tal agente ao criarcasuisticamente Secretaria de Estado, sem amparo na Lei Orgânica do DistritoFederal, para proteger acusados da prática de graves crimes cometidos contraa Administração Pública. Elogios àqueles que estão preocupados com aapuração dos crimes cometidos com violência e grave ameaça às vítimas,furtos e estelionatos vultosos, estupros, homicídios e outros similares.Nãoque outros casos não possam ser objetos de reflexão. Contudo, a cadasituação o tratamento jurídico correspondente deve ser o mais adequado. ODireito Penal e Processual Penal, é óbvio, reserva-se à tutela daqueles bensjurídicos da vida mais relevantes. A hipótese dos autos não está a merecer,ao menos em desfavor do acusado, a atenção da seara penal.Qualquercontrovérsia poderia ser solucionada por meio de outros mecanismos einstrumentos de apaziguamento social.Aos que> sugeriram a aplicação de medida de segurança ao acusado faço lembrar oimorredouro caso de GILDÁSIO MARQUES DE SOUZA, que ao ser absolvido daprática de lesões corporais simples, por sentença datada de 24/10/67,recebeu medida de segurança e terminou por ficar encarcerado em presídios eem manicômios por mais de 36 anos, destituído de dignidade, cidadania e derelações sociais. Dois anos antes de Gildásio ser colocado em liberdade, umlaudo foi juntado aos autos da execução da medida de segurança confirmando a"cessação da periculosidade" de Gildásio.. Mesmo assim, Gildásio permaneceuenclausurado no Presídio Feminino de Brasília, Capital da República, até queos autos chegaram ao signatário da presente sentença que, indignado com aignomínia e tomado por opróbrio com tanto descaso e humilhação, cumpriu odever de extinguir aquela reprimenda vergonhosa de duração ilimitada. Foramtrinta e seis anos de esquecimento,> angústia, desprezo e perversidade contra o autor de um delito que, à luzda legislação vigente na atualidade, não poderia sequer ser recolhido àprisão...Percebe-se, assim, o cuidado que se deve ter em aplicar aosacusados da prática de infrações penais a malfadada medida de segurança.Alguém poderia dizer que ao invés de internação poderia ser aplicada aoacusado a medida de segurança na forma de tratamento ambulatorial. Isso nãomudaria em nada a impertinência da proposta. Medida de segurança é sempremedida de segurança: tanto a internação pode, circunstancialmente, seconverter em tratamento ambulatorial, quanto esta pode se transformar naprimeira. E o mais grave é que não há prazo legal para o término da penainfamante. Não consigo enxergar em quê " - a aplicação de medida desegurança poderá trazer auxílio à família..."Tecidas taisconsiderações, nadamais resta senão reconhecer o que deveria> ter sido admitido ab initio, RODRIGO RAMOS DE LIMA não praticou crime epor isso o tenho por absolvido. Por fim, faço votos de que não surja um"iluminado" com a "estupenda" idéia de, através de recurso, prorrogar apresente discussão e sangria de recursos públicos financeiros e humanos.Gastos inúteis não se justificam em parte alguma.Sem custas.Remeta-se cópiada presente sentença ao Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal paraciência.Publique-se no Diário da Justiça.. Registre-se. Intimem-se. Após otrânsito em julgado procedam-se as anotações e comunicações deestilo.Brasília-DF, 03 de novembro de 2008.Fábio Martins de Lima- Juiz deDireito Substituto

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